Quem Fica com a Terra? A Reforma Agrária que o Brasil Ainda Deve à População Negra
- Your Tutor TCC
- 5 de ago.
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No contexto do sistema econômico atual, o Brasil se insere como uma das maiores potências agroexportadoras do mundo, sustentando grande parte de sua balança comercial na produção agrícola. No entanto, essa pujança esconde profundas desigualdades estruturais, históricas e raciais no acesso à terra. A concentração fundiária no Brasil é uma das maiores do planeta, resultado direto de um modelo colonial e escravocrata que, após a abolição da escravatura, negou aos negros libertos o direito fundamental de acesso à terra. Enquanto a elite rural consolidava imensas propriedades, muitas vezes oriundas de sesmarias, heranças e grilagens, os descendentes de africanos escravizados eram empurrados para as margens da sociedade, sem garantias de dignidade econômica.
Uma proposta de reforma agrária inclusiva, focada na reparação histórica da população negra, poderia transformar essa realidade. A União detém atualmente milhões de hectares de terras devolutas e não aproveitadas que poderiam ser destinadas a programas específicos de democratização fundiária. Nesse cenário, uma política pública ousada e de justiça social poderia prever a concessão de propriedade ou venda subsidiada dessas áreas para famílias negras, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, organizadas em cooperativas ou associações. O modelo poderia incluir também a obrigação legal de grandes propriedades particulares, sobretudo aquelas obtidas por herança e que excedam determinado limite produtivo, de disponibilizarem um percentual da terra para venda exclusiva a pessoas negras. O preço dessas terras seria significativamente reduzido, como forma de reconhecimento da dívida social e racial do Estado e da sociedade brasileira.
A redução no valor de venda poderia ser compensada ao proprietário em forma de abatimentos fiscais ou benefícios tributários progressivos, evitando impactos econômicos severos para o proprietário e incentivando a adesão voluntária. Essa política encontraria respaldo na função social da propriedade prevista na Constituição Federal, que estabelece que a terra deve atender ao bem-estar coletivo e não apenas ao lucro privado. Complementarmente, um fundo nacional de crédito rural para negros, com linhas específicas de financiamento para aquisição, cultivo e modernização da terra, aliado a assistência técnica, educação agrícola e apoio para a inserção em cadeias produtivas sustentáveis, consolidaria as bases para o sucesso dessa política.
O fortalecimento de comunidades agrícolas negras não seria apenas um gesto de reparação, mas também uma estratégia inteligente para promover desenvolvimento econômico regional, geração de empregos e segurança alimentar, combatendo o êxodo rural e revitalizando pequenas cidades. O impacto potencial dessa reforma agrária reparatória incluiria ainda o fortalecimento da cultura afro-brasileira, o resgate da agricultura tradicional e o estímulo a práticas de cultivo regenerativas e sustentáveis.
Diante da crescente demanda internacional por cadeias de produção ética e sustentável, o Brasil teria a oportunidade de se posicionar como exemplo global de responsabilidade social e ambiental, conciliando competitividade com justiça social. Essa proposta de reforma agrária racialmente orientada seria uma resposta concreta a um passivo histórico ignorado por mais de um século, promovendo inclusão, equidade e reafirmação da cidadania de milhões de brasileiros negros. Ela demandaria, para sua efetivação, vontade política, mobilização social e um pacto federativo que alinhasse União, estados e municípios no propósito comum de transformar a terra em instrumento de liberdade, dignidade e prosperidade.
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