The Dog Léo
- Your Tutor TCC
- 27 de nov. de 2024
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No ano de 2489, a medicina e a engenharia genética avançaram a ponto de oferecer uma escolha estranha e controversa: os pais podiam optar por trazer seus filhos ao mundo como pet-filhos. Em vez de corpos humanos, bebês poderiam ser gerados dentro de corpos de animais — cachorros, gatos, coelhos, pássaros exóticos, e até peixes. Esses filhos-pets mantinham a inteligência e a complexidade emocional humanas, mas eram marcados por instintos e comportamentos típicos dos animais escolhidos. A decisão logo se tornou um fenômeno cultural e até uma moda, com certos pets ganhando status social mais elevado que outros.
Mas havia um custo.
Capítulo 1: Uma Decisão Peculiar
Luciana e Tomás queriam um filho, mas estavam fascinados pela ideia de criar uma criança como um cachorro. Eles acreditavam que um filho-cachorro traria amor incondicional e uma dinâmica mais leve à vida da família. Optaram por um golden retriever para a gestação. Nove meses depois, nasceu Léo: um filhote de cachorro, de olhar humano e mente aguçada. Ainda filhote, Léo balbuciava suas primeiras palavras entre latidos. Ele chamava Luciana de “mamãe” enquanto, sem perceber, mordia o sofá e tentava enterrar seu lanche nos vasos de plantas da sala.
No começo, era adorável. Léo era esperto e carinhoso, mas os instintos caninos eram inevitáveis. Nos momentos de euforia, ele lambia o rosto de seus pais sem perceber que isso os desconfortava, e a cada visita ao parque, a vontade de perseguir pássaros se tornava irresistível.
“É só uma fase”, dizia Luciana. “Ele vai se adaptar.”
Mas Léo nunca deixou de ser meio cachorro, meio criança. E isso começou a pesar.
Capítulo 2: A Infância Canina
Na escola, as crianças-pets eram integradas aos alunos humanos, mas as dificuldades eram inevitáveis. Léo tentava brincar com os colegas como qualquer criança, mas ocasionalmente o instinto falava mais alto: ele mordia quando frustrado, lambia professores em vez de cumprimentá-los, e em momentos de tensão, se escondia debaixo da mesa.
Os alunos humanos o olhavam de maneira estranha. Embora a lei exigisse respeito por esses filhos-pets, muitos pais e crianças ainda viam esses seres como aberrações, prisioneiros de uma escolha que não foi deles. Léo não conseguia evitar o desconforto — ele entendia a matemática, mas também queria rolar no chão e morder brinquedos.
Em casa, a situação piorava. Quando os pais chegavam cansados do trabalho, Léo corria até eles com o rabo abanando, implorando por atenção. Mas conforme crescia, ele se tornava um cão grande e desajeitado, e Luciana e Tomás começavam a se irritar. “Não precisa agir assim, Léo! Você é uma pessoa!” Luciana gritava. Mas ele não sabia ser outra coisa. O que ele era, afinal?
Capítulo 3: A Fuga
Certa noite, após mais uma discussão em casa — “Você nunca se comporta como as outras crianças!” —, Léo fugiu. Ele atravessou a cidade, os pensamentos misturados com cheiros e impulsos. Tudo nele gritava para voltar, mas o orgulho humano o empurrava para seguir adiante. Ele parou em um parque silencioso, onde encontrou um grupo de filhos-gatos sentados sob a luz da lua.
“Também fugiu de casa?” perguntou um deles, enrolando a cauda no corpo.
Léo deitou ao lado deles. “Sim. Eles dizem que eu devia agir diferente… como se eu não fosse eu.”
Os gatos miaram em risadas amargas. “Nunca vamos ser o que eles querem. Eles escolheram por nós, mas agora somos problema deles.”
E era verdade. Muitos desses filhos-pets acabavam abandonados. Os pais humanos, incapazes de lidar com as complexidades emocionais e instintos animais de suas criações, os descartavam como se fossem brinquedos defeituosos. Os mais azarados acabavam presos em abrigos para animais, seus corpos humanos implorando por liberdade, mas suas mentes presas à forma e aos desejos de suas espécies.
Capítulo 4: O Lar Final
Léo acabou sendo levado para um abrigo. As grades frias da cela eram um lembrete cruel de como ele jamais seria totalmente aceito — nem no mundo dos humanos, nem no dos animais. Ele assistia os funcionários do abrigo passarem, ignorando seus pedidos de conversa, tratando-o como mais um cachorro perdido. Ali, ele conheceu outros filhos-pets abandonados. Um coelho que murmurava poemas para si mesmo. Um papagaio que gritava palavras que ninguém mais queria ouvir. E um gato siamês que chorava baixinho nas noites, sentindo falta do colo de uma mãe que nunca o entendeu.
Os dias se arrastavam e a esperança diminuía. Algumas famílias vinham ao abrigo, procurando filhos-pets para adotar, mas raramente escolhiam os mais velhos. Todos queriam filhotes — queriam uma segunda chance de começar do zero, de tentar criar o filho-animal perfeito.
Um dia, Léo ouviu os funcionários do abrigo falando sobre ele. “Se ninguém aparecer até o fim do mês… temos que fazer o procedimento.” O “procedimento” era um eufemismo para eutanásia. Muitos filhos-pets terminavam assim, suas vidas descartadas por uma sociedade que nunca soube lidar com a estranha consequência de suas próprias escolhas.
Epílogo: O Fim ou o Começo
Na última noite no abrigo, Léo sonhou que corria livremente por uma floresta infinita, onde não precisava ser nada além de si mesmo. No sonho, ele era só Léo: um menino-cachorro, nada mais, nada menos.
Quando acordou, ouviu o som de passos e o abrir das grades. Uma mulher de olhar gentil se abaixou e estendeu a mão para ele. “Quer vir para casa comigo, garoto?”
Ele não sabia o que esperar, mas, pela primeira vez em muito tempo, abanou o rabo sem hesitação. Talvez houvesse um lugar para ele afinal — um lar onde ele não precisasse ser perfeito. Apenas ele.
E naquele momento, enquanto seguia a mulher para fora do abrigo, Léo se permitiu acreditar que, de alguma forma estranha e bizarra, ele poderia encontrar a felicidade. Mesmo que ainda tivesse o impulso ocasional de enterrar o controle remoto no jardim.
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