Impactos do “tarifaço” de 50% dos EUA sobre as exportações brasileiras: Um estudo de caso no setor de laranjas
- Your Tutor TCC
- 27 de jul.
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Atualizado: 27 de jul.


A recente imposição de uma tarifa de 50% sobre o valor exportado da laranja brasileira para os Estados Unidos, uma medida que configura uma sanção comercial direta, reacendeu o debate sobre a vulnerabilidade das cadeias produtivas nacionais frente às oscilações e disputas do mercado internacional. Embora, em primeira instância, o impacto direto recaia sobre o consumidor americano — que terá acesso a um produto mais caro —, o Brasil, enquanto nação produtora, deve tomar providências para garantir a sustentabilidade de seus produtores e evitar o desperdício de uma produção altamente significativa para sua economia.
De acordo com os dados oficiais da plataforma Comex Stat, o Brasil exportou, em 2023, um total de 1.238.181.188 kg de laranja aos Estados Unidos, o que corresponde a um valor FOB de US$ 794.553.003. O preço médio por quilograma, com base nesses dados, foi de aproximadamente US$ 0,64, o que representa cerca de R$ 3,56 no câmbio atual. Com a aplicação da tarifa americana, o cenário que se desenha é de perda de competitividade do produto brasileiro no mercado externo, o que pode levar os produtores a descartarem toneladas de frutas por falta de alternativas comerciais viáveis.
Esse quadro exige, portanto, uma resposta estratégica do Estado brasileiro, que deve assumir um papel ativo na proteção da cadeia produtiva agrícola, tanto por seu valor econômico quanto por seus efeitos sociais. Entre as ações possíveis, destaca-se a compra governamental de parte da produção excedente, que poderia ser destinada a programas de assistência alimentar, merenda escolar e distribuição de cestas básicas. Essa medida não apenas evitaria o desperdício como promoveria segurança alimentar em várias regiões do país.
Outra possibilidade é a redução temporária de impostos para setores industriais estratégicos que possam absorver a produção de laranja, como as indústrias de sucos, panificação e doces. Parcerias com grandes redes de supermercados e atacadistas, mediante incentivos fiscais e logísticos, também são alternativas para ampliar a comercialização interna. O poder público pode, ainda, utilizar a estrutura dos refeitórios públicos — como os de escolas, universidades, hospitais, presídios e quartéis — como canais de distribuição da fruta.
É fundamental fomentar a industrialização descentralizada da laranja, com incentivo à instalação de miniusinas de processamento em polos rurais, bem como garantir linhas de crédito específicas para transporte e armazenamento, facilitando o escoamento interno e a estocagem de derivados como sucos concentrados e polpas congeladas. A promoção de campanhas educativas para estimular o consumo de frutas in natura e sucos naturais, com apoio da mídia e de instituições de saúde e educação, também contribui para aumentar a demanda interna e valorizar hábitos alimentares mais saudáveis.
No campo externo, o Brasil deve buscar a diversificação de seus destinos comerciais, fomentando a exportação para países da América Latina, África e Ásia, por meio de novos acordos bilaterais. Fortalecer cooperativas agrícolas, oferecendo apoio técnico e financeiro para negociação direta com compradores, é mais uma medida que pode tornar o setor mais resiliente e menos dependente de grandes compradores internacionais. Além disso, a criação de estoques reguladores de frutas perecíveis pode assegurar maior estabilidade ao mercado, protegendo o agricultor de perdas sazonais e conjunturais.
O caso da laranja brasileira ilustra com clareza como a interdependência econômica pode gerar vulnerabilidades significativas para setores estratégicos da economia nacional. A resposta à crise, porém, pode se tornar uma oportunidade de fortalecimento interno e inovação nas formas de produção, comercialização e consumo. As estratégias aqui apresentadas podem servir como modelo para outros setores que venham a enfrentar situações similares, demonstrando a importância de políticas públicas bem estruturadas diante das mudanças do cenário internacional.
Nas prateleiras dos supermercados brasileiros, um litro de suco de laranja raramente custa menos de R$ 10. Enquanto isso, o mesmo produto é exportado a menos de 0,65 centavos de dólar o litro para os Estados Unidos. Com a alta do dólar pós-pandemia — que saiu da faixa dos R$ 3,50 e estabilizou em níveis superiores a R$ 5,00 — essa equação só se torna mais absurda para quem vive no Brasil. E essa distorção no mercado revela muito mais que um simples problema logístico: escancara um modelo de exportação que serve ao capital externo, mas esquece o consumo interno.
Embora o Brasil seja líder mundial na produção e exportação de suco de laranja, a maior parte desse volume é exportada de forma concentrada, em sumo, por grandes conglomerados industriais com presença internacional. A fruta in natura, embora ainda presente nas feiras e mercados, não representa nem uma fração do que poderia circular internamente. A lógica de mercado favorece o escoamento em larga escala, a preços baixos e com altíssimo volume, em detrimento da distribuição local e do acesso do brasileiro a um produto de qualidade por um preço justo.
Essa prática é vantajosa apenas para grandes empresas que controlam o processamento, a logística e a marca. Elas possuem centros industriais em diversos países, cadeias de distribuição consolidadas e domínio de marca, o que lhes permite extrair lucros elevados vendendo barato para fora e, muitas vezes, deixando o brasileiro refém de produtos importados — ou pagando caro por aquilo que nasceu em solo nacional.
A estrutura de exportação favorece o capital, não o produtor rural. Este, por sua vez, se vê pressionado pela necessidade de rentabilidade. Para manter a competitividade, aumenta o uso de fertilizantes e agrotóxicos, encurtando ciclos e estressando o solo. Essa dinâmica se traduz, muitas vezes, em uma agricultura intensiva, predatória, pouco sustentável — e que tampouco garante o bem-estar do pequeno e médio produtor. É a face moderna da “casa-grande e senzala”: exportamos o melhor e ficamos com os restos, com o excedente, com o que sobra.
A indignação que emerge dessa realidade é legítima e precisa se transformar em propostas concretas. Uma delas, ainda que controversa, seria a criação de uma legislação que regulamente a exportação direta feita por produtores de qualquer porte. A proposta é simples: para exportar fora do Mercosul, o produto teria que passar por uma empresa ou agência nacional de intermediação, preferencialmente pública ou de controle misto, que represente os interesses internos do Brasil. Essa organização teria como responsabilidade negociar os preços com os mercados internacionais, garantir qualidade, rastreabilidade e, acima de tudo, assegurar que a produção nacional não deixe de atender antes o mercado interno.
Figura - Modelo a ser aplicado para o melhor controle das exportação brasileiras

Fonte: Instagram emsfranca
Além disso, é fundamental propor a criação de canais de venda direta, plataformas digitais de integração entre oferta e demanda, e políticas de incentivo ao consumo local. As universidades brasileiras, os institutos federais e centros de pesquisa poderiam ser grandes parceiros nesse processo, desenvolvendo soluções logísticas, estatísticas, econômicas e tecnológicas para reverter essa lógica que empobrece o Brasil por dentro enquanto o explora por fora.
Não se trata de protecionismo cego, mas de soberania alimentar, justiça de mercado e visão estratégica de país. O Brasil precisa deixar de ser apenas um celeiro do mundo e se tornar também um abastecedor de si mesmo. Os dados do setor da laranja devem servir como alerta para outros setores agrícolas e agroindustriais. O que está em jogo não é apenas o suco de laranja — é o modelo de desenvolvimento nacional, a dignidade do produtor e o direito do consumidor.
É hora de desacelerar, planejar, repensar a relação entre exportação, política pública e soberania alimentar. O que é produzido no Brasil precisa, antes de tudo, chegar à mesa dos brasileiros com qualidade e preço justo. Isso não é apenas uma questão de economia — é uma questão de dignidade nacional.
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