O Grande Natal

CENA 1: INTERIOR – ATELIÊ DE LORENZO – DIA 24 DE DEZEMBRO, VÉSPERA DE NATAL

PLANO DETALHE: TROFÉUS EM UMA ESTANTE

Troféus brilhando sob a luz de um lustre ornamentado, prêmios de excelência em arte, certificados, e uma pequena placa com os dizeres: “Lorenzo, o mestre da tela.”

PLANO MÉDIO: LORENZO EM FRENTE À TELA BRANCA

Lorenzo, com os cabelos molhados e o pincel na mão, encara uma tela vazia. O som do chuveiro ainda ecoa ao fundo.

LORENZO:

(impaciente)

“Hoje é 24 de dezembro, Mônica. Eu preciso ser grande. Essa vai ser minha última pintura do ano, e as pessoas esperam que eu demonstre o meu melhor.”

VOZ DE MÔNICA (OFF):

(sarcástica)

“Ah, a pressão do gênio incompreendido. Conta mais.”

LORENZO:

(como se não tivesse ouvido a ironia)

“Você sabe que esse cliente encomendou uma obra inspirada no Natal, mas eu não consigo ter uma ideia… Nunca gostei tanto do Natal. Na verdade, minha família… protestante… na igreja deles sequer comemorávamos. Idolatria, eles diziam.”

MÔNICA:

“Idolatria? É sério? Mas isso não é só uma desculpa para fugir da parte chata das festas?”

LORENZO:

“Você não entende. A questão era que tudo parecia tão vazio. Árvores decoradas, presentes embrulhados, mesas lotadas… mas no fundo, ninguém sentia nada. Era tudo tão… automático.”

MÔNICA:

(com um tom mais reflexivo)

“E você acha que ainda é assim? Talvez tenha razão, Lorenzo. Talvez o Natal esteja perdendo seu brilho, mas pense: quantos momentos no ano reúnem as pessoas? Quantas vezes as famílias deixam o trabalho, os problemas, as distrações de lado e se sentam juntas?”

LORENZO:

(murmurando)

“Você está romantizando.”

MÔNICA:

“Talvez. Mas é exatamente isso que falta, não acha? As pessoas estão tão presas a suas próprias vidas, tão desconectadas. O Natal, mesmo que imperfeito, ainda é um lembrete.”

LORENZO:

(pausa, depois muda de assunto abruptamente)

“Tá, tá. Vamos mudar de assunto. Você sabia que misturas lácteas estão causando intolerância nas pessoas só para as indústrias lucrarem mais?”

MÔNICA:

(com humor seco)

“Você sabe que isso ainda não foi confirmado cientificamente, né? Não vá espalhar fake news.”

LORENZO:

(gesticulando exageradamente)

“Ah, é como a Airfryer! Modifica a estrutura das moléculas alimentares! Isso já não basta?”

MÔNICA:

(com risadas leves)

“Você é muito egocêntrico, Lorenzo. Só porque algo acontece com você, acha que se aplica ao mundo inteiro. Sabe que isso não é assim, certo? Precisa de uma amostra maior. Metodologia, lembra? Arkin e Colton já falaram sobre isso. Relevância estatística.”

LORENZO:

(irritado, mas sem entender)

“Vamos voltar ao Natal, Mônica? Você sabe que eu não gosto dessas coisas de números. Que metodologia é essa? Precisa de 400 amostras pra ser científico? O quê?”

MÔNICA:

“Bem, se você não gosta de números, isso explica muito sobre suas decisões financeiras. Mas talvez seja por isso que sua arte seja tão única. Seu egocentrismo transforma tudo o que você toca em algo exclusivamente seu.”

LORENZO:

(sarcástico)

“Que elogio encantador. Agora, podemos focar na entrega que eu tenho agendada? Sei que isso não é sua função, meu amor. Desculpa, não quero te pressionar aqui.”

MÔNICA:

“Pressionar? Lorenzo, por favor. Eu sou literalmente um sistema de inteligência artificial. Mas tudo bem. Só… não esqueça que, às vezes, as respostas que você procura não estão na tela. Estão no que você sente e no que viveu.”

LORENZO:

(com um tom mais suave, quase grato)

“Você é boa nisso. Talvez eu precise ouvir mais o que você diz… quando não está discutindo comigo.”

PLANO DETALHE: TELA DO COMPUTADOR

Enquanto Lorenzo pega suas chaves e sai, a tela do computador começa a formar a imagem de uma praia ao entardecer. Mesas de madeira reúnem famílias, crianças correm pela areia, e o brilho quente do sol ilumina tudo.

MÔNICA (OFF):

(sussurrando para si mesma)

“União… talvez seja isso que eu também precise aprender.”

CORTE PARA: LORENZO SAINDO DO ATELIÊ

Ele fecha a porta, sem perceber a imagem que tanto pediu.

PLANO FINAL: TELA DO COMPUTADOR

A praia permanece, cada detalhe um reflexo de tudo o que Lorenzo e Mônica conversaram – um mosaico da humanidade.